Ultimamente
alguns de nossos clientes nos contataram para verificar a validade de um
contrato assinado por um de seus funcionários, os quais foram enganados por
promessas que os ludibriaram e os levaram a crer que apenas iriam beneficiar a
empresa em que trabalham, no entanto que gerou a cobrança de um plano de
divulgação de sua marca pela internet.
Para
tanto, empresas com o intuito de obter vantagens em detrimento de outras
empresas entravam em contado, por meio de prepostos que utilizam técnicas de
convencimento, de forma ardil e maliciosa, com funcionário das empresas vítimas
do golpe, os quais normalmente não tem poderes para responder em nome da
referida empresa, e o informa que esta seria agraciada com uma lista telefônica
ou qualquer outra bonificação gratuita e que para fazer jus a tal prêmio o
funcionário apenas deveria atualizar os dados da empresa, preenchendo e
assinando formulário que lhe era remetido.
Ademais,
os prepostos da empresa fraudadora arguiam que o preenchimento de tal
formulário deveria ocorrer da forma mais célere possível para que não perca o
prazo de validade da promoção, ressaltando, novamente que o brinde seria
concedido de forma gratuita.
Entretanto,
após a assinatura não havia a remessa de nenhuma bonificação, mas apenas a
cobrança de valores referentes a um plano de divulgação da marca na internet.
Para
consubstanciar tal fato, as empresas fraudadoras alegavam que os serviços foram
devidamente contratados conforme o contrato assinado, que no caso era o
formulário preenchido, que previa em letras minúsculas a contratação dos
serviços de divulgação da marca e estipulava prazo para cancelamento do mesmo.
Quando
as empresas vítimas se negavam a realizar os pagamentos, as empresas
fraudadoras simulavam a cobrança por meio de cartórios, sob a ameaça de
protesto.
O
caso teve repercussão em todo o Brasil, haja vista o grande número de fraudes
cometidas, sendo, inclusive, alvo de reportagem veiculada perante o Bom Dia São
Paulo, da Rede Globo de Produções, a qual pode ser visualizada no seguinte
link: http://globotv.globo.com/rede-globo/bom-dia-sao-paulo/v/quadrilha-que-aplicava-golpes-da-lista-telefonica-e-presa/3532649/
.
Em
razão de tais fatos, decidimos elaborar o presente artigo com o intuito de
explicar sob perspectiva jurídica e orientar demais empresas sobre os riscos e
quais as ações a serem tomadas.
Inicialmente
a relação em comento, acaso fosse considerada válida, seria aplicável o Código
de Defesa do Consumidor, conforme teor do artigo 2º do referido Codex, que estipula que “consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final”.
Portanto,
mesmo não havendo de fato a utilização, por parte das empresas vítimas, dos
serviços prestados pela empresa fraudulenta, esta se passa por consumidora em
razão de o objeto do referido contrato ser de prestação de serviço de caráter
final.
Isso
posto, a Cláusula que elege como foro a cidade de São Paulo – SP é nula de
pleno direito, pelo fato de dificultar o acesso do consumidor ao judiciário.
Ademais,
não houve o consentimento em adquirir os serviços e/ou produtos oferecidos pela
empresa fraudulenta em hora alguma, pois esta usou de meios ardilosos e
desleais para conseguir que o funcionário assinasse o contrato. O que,
inclusive, é vedado pelo CDC, como segue:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
...
IV – a proteção contra a publicidade
enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como
contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e
serviços; (grifo nosso)
Assim
como:
Art. 39 É vedado ao fornecedor de produtos ou
serviços, dentre outras práticas abusivas:
...
III – enviar ou entregar ao consumidor, sem
solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer serviço;
VI – executar serviços sem a prévia
elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as
decorrentes de práticas anteriores entre as partes.
No
presente caso, houve nítido dolo por parte da empresa fraudadora, que usou de meio
ardil e desleal ao desvirtuar o objeto do contrato, enganando o funcionário da
empresa vítima, induzindo-a ao erro essencial quanto ao negócio jurídico.
O
dolo em questão é o dolus causum ou
principal, ou seja, o que dá causa ao negócio jurídico. Em outras palavras, o
qual sem este não haveria a declaração de vontade divergente da vontade real, o
que impediria o negócio jurídico. Tal vício, por sua relevância, macula o
negócio jurídico acarretando a sua anulabilidade, cujo prazo é de 4 (quatro)
anos, conforme preconiza o artigo 178 do Código de Processo Civil.
Por
outro lado, para a validação do negócio jurídico, o agente deve ser capaz. No
entanto, no presente caso, o funcionário que via de regra assina o contrato em
questão não tem poderes para tanto, pois não há qualquer ato ou declaração de
vontade da empresa vítima que ratifique a conduta de seu funcionário.
Tal
entendimento coaduna com o exarado pelo Excelentíssimo Senhor Juiz do Segundo
Juizado Especial de Competência Geral de Sobradinho nos autos do Processo nº
2009.06.1.003270-7, em caso análogo ao tratado no presente artigo, conforme
segue:
“A assinatura aposta no contrato de fl. 09 pelo
funcionário da requerente não pode ser considerada válida a vincular o autor ao
respectivo negócio, visto que aquele não é o representante legal da empresa,
nem possui poderes para tanto.
...
Sendo assim, em análise aos autos e por tudo até
aqui exposto, resta demonstrada a ausência de consentimento do autor, vez que a
assinatura constante do contrato de fl. 09 dos autos não é sua, maculando
totalmente a posterior emissão do boleto bancário noticiado à fl. 10.
Isto é de todo lógico, porque não há que se falar em
inadimplemento contratual quando contratação inexistiu.
Como observa MARIA HELENA DINIZ, com a propriedade
que lhe é peculiar: “As partes deverão anuir, expressa ou tacitamente, para a
formação de uma relação jurídica sobre determinado objeto, sem que apresentem
quaisquer vícios de consentimento como erro, dolo e coação; ou vícios sociais,
como simulação ou fraude contra credores.” (Código Civil Anotado, 5ª Ed., São
Paulo: Saraiva, 1999, p. 105).”
Portanto,
em face da incapacidade do agente e na falta de qualquer ato da empresa vítima
que venha a ratificar a conduta de seu funcionário, tem-se que o contrato, nos
termos da jurisprudência transcrita, é nulo, ou seja, não gera relação jurídica
entre as partes – empresa fraudadora e vítima.
Postas
tais considerações, orientamos as empresas, em caso de serem vítimas de golpe
similar, que realizem os seguintes procedimentos:
·
Registrar boletim de ocorrência na
delegacia de repressão a estelionato e outras fraudes;
·
Enviar notificação extra-judicial
informando os vícios constantes do contrato e o não reconhecimento deste;
·
Em não cessando as cobranças indevidas,
deverá ser proposta ação judicial para que seja declarada a nulidade ou
anulação do contrato.
Vale
asseverar que a necessidade de propositura da ação apenas ocorrerá nos casos em
que a empresa fraudulenta não cessar as cobranças indevidas, ocasião na qual
poderá ser pleiteada a reparação de danos materiais e morais, o que já foi
realizado conforme se extrai da sentença prolatada nos autos do processo nº
2009.01.1.184203-9, pelo 5º Juizado Especial Cível de Brasília, conforme se
extrai da parte dispositiva a seguir transcrita:
“Isto
posto, com amparo nos motivos acima declinados, JULGO PROCEDENTE os pedidos
deduzidos na inicial e, com isso, resolvo o feito com análise de mérito na
forma do art. 269, I do CPC. De consequência, declaro nulo o ajuste de fls. 19,
proibindo a Ré de efetuar qualquer cobrança ou adotar medidas de restrição ao
crédito em face do referido pacto, devendo desconstituir eventuais anotações ou
protestos já realizados, bem como condeno-a ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco
mil reais) a título de indenização por danos morais, montante que deve ser
devidamente corrigido e atualizado, através de correção monetária pelo INPC e
juros simples de 1% (um por cento) ao mês a contar da prova da cobrança
indevida (24/08/2009 - fls. 24). Sem custas nem honorários. Com o trânsito em
julgado e decorridos 15 (quinze) dias sem o pagamento voluntário da condenação,
deverá incidir multa de 10% (dez por cento), por força do art. 475-J do CPC”.
Isso
posto, conclui-se que apesar da inexigibilidade do crédito, as empresas
vitimadas deverão tomar as devidas precauções para embasar a nulidade do
contrato ou sua anulabilidade caso necessário propor ação judicial.